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ARTIGOS PUBLICADOS | escritos por Munira

Dabke

Energia contagiante, força, alegria! Quem resiste a uma boa roda de dabke? A palavra Dabke literalmente significa pisada, pegada. Ela é dançada em diversos países como Líbano, Síria, Palestina, Jordânia, Iraque, além de algumas tribos de beduínos que vivem perto do Líbano, mas é a dança libanesa que se destaca no aqui Brasil.
É preciso compreender o espírito dessa dança, e para isso entender como é o povo libanês. Eles amam o próprio país, amam suas tradições e honram seus antepassados. É um povo forte, alegre e que se preocupa com seus familiares, amigos e vizinhos.
A dança reflete esse espírito: é uma dança forte, decidida; essa é a característica principal. É uma forma de expressar esse nacionalismo e as tradições culturais do país. Ela é tradicionalmente uma dança de grupo, porque tem essa conotação de união, mas pode ser dançada por casais e solos que mostram a destreza de quem dança. A Dabke é uma das tradições mais famosas libanesas e os libaneses têm orgulho das suas habilidades na dança.  Em princípio, ela era dançada só por homens, mas depois as mulheres começaram a dançar também. Hoje ela é dançada em qualquer ocasião festiva e por homens, mulheres e crianças.
A Dabke pode ser bem rápida ou bem lenta, e sua forma de dançar pode variar de aldeia para aldeia. Sua música pode ser composta por vários ritmos como malfuf ou laff, jaballe, saidi libanês, kata kofti, maksoum e ayubi. O som do mijuez torna a música inconfundível e as batidas do tabel acrescentam mais vigor e animação à dança. Dependendo do andamento do ritmo, as pessoas na roda vão dançar a Da` (dabke de 1 com 6 tempos) ou Daten (dabke de 2 com 12 tempos). Uma música tradicional pode ser muito comprida, porque cada cantor acrescenta novas rimas e versos à composição original. É muito comum a música tradicional se iniciar com um mawal ou mesmo uma ateba que pode durar muito tempo ou se repetir várias vezes após uma resposta musical, para que finalmente comece a parte que se é dançada. Ala Dalaona, por exemplo, que ficou conhecida como canção nacional, tem versos improvisados que falam de amor, da terra, do país e do cotidiano. Cada pessoa que canta Ala Dalaona, inventa uma nova estrofe. O autor é desconhecido, mas existem inúmeras gravações da música, sempre acrescentando novas rimas. Outras músicas como Houara e Alaein Mulaiten têm inúmeras interpretações e gravações. Mesmo quem adora Dabke moderna, precisa conhecer as músicas tradicionais e antigos cantores e compositores como Nasri Shamsedine, Wadi El Safi, Fairuz e os irmãos Rahbani.
É diferente a forma de dançar a Dabke de roda, como é feita nas festas, da Dabke coreografada. Na Dabke de roda, as pessoas sempre vão dançar os mesmos passos com 6 tempos (ou 12), independente da contagem da frase musical, e quem vai solar são apenas as pessoas que estão na ponta. Quem fica na ponta é chamado de ras(cabeça). Essa pessoa geralmente é quem dança melhor. Ela conhece diversos floreados e tem muita habilidade na improvisação. Geralmente, o ras gira uma masbahaou um lenço na mão. No momento mais forte da musica, no refrão, o ras sola e também as pessoas mais próximas a ele. As outras pessoas da roda mantêm o mesmo passo, dançando da mesma forma para manter a unidade da roda. Já na Dabke coreografada, há preocupação com desenhos espaciais, repertório e, principalmente, com o fechamento das frases musicais, o que não acontece na Dabke de roda. Às vezes, uma frase musical tem 4, 8, 10 tempos e não 6 como é feito o passo tradicional de roda e a coreografia deve ser condizente com o tempo musical. É interessante que se use passos da dança de roda também, na qual os participantes dançam de mãos dadas, com o corpo unido, mas na coreografia existe uma liberdade maior para se explorar composições, passos inusitados e diferentes desenhos de palco. É comum, em determinado momento da coreografia, se formar 2 filas que se cruzam e pode até ocorrer uma disputa entre o ras de cada fila para mostrar quem é mais habilidoso. As coreografias podem ter apenas homens ou mulheres ou ambos. Na dança masculina, os movimentos são mais pesados do que na feminina, usando mais passos no chão e que exijam mais força. Na dança feminina, os movimentos de ombro e peito são bastante utilizados para demonstrar graciosidade e feminilidade, e alguns movimentos de quadril também com o intuito de deixar a coreografia mais charmosa.
A característica mais marcante da Dabke é a batida dos pés no chão e a dança precisa ter essa particularidade para não perder a sua essência. A própria roupa feminina tradicional de Dabke já mostra isso: tem uma faixa na cintura, porque os movimentos dos pés devem predominar, diferente da dança do ventre, na qual os movimentos de quadril são evidenciados. A música de Dabke moderna aceita uma maior liberdade de escolha coreográfica e de figurino, mas sem deixar de lado as suas qualidades mais significativas que são justamente batidas fortes dos pés, pulos, energia, alegria e união.
Algumas músicas clássicas árabes possuem trechos de ritmos característicos da Dabke (kata koftijabalee e saidi libanês), como, por exemplo, as composições de Setrak Sarkissian. No Líbano, é comum a bailarina dançar Raks Al Assaye com Dabke, usando mais pulos no contratempo e movimentos mais fortes do que no saidi egípcio. Em trechos com jabalee ou mesmo saidi libanês, a bailarina pode usar passos característicos de Dabke ou, se optar por movimentos mais leves, tronco e ombros soltos, calcanhar marcado e sem dúvida uma expressão forte, alegre e contagiante.
(artigo publicado na Revista Shimmie)

Shaabi

Estilo musical bastante apreciado e atualmente muito divulgado em sites, blogues e redes sociais, o Shaabi (شعبي) literalmente quer dizer popular. Esse significado não se limita à dança ou ao estilo musical, mas a tudo que vem das massas. Não apenas o Egito, mas também outros países do norte africano, como Marrocos e Argélia, têm suas músicas estilo shaabi, cada um com suas características distintas. No Egito, até 1970, os grandes cantores como Om Khalsoum, Farid el Atrache, Mohamad Abdul Wahab e Abdel Halim Hafez dominavam o cenário musical; suas músicas tinham ricas composições, linguagem clássica e arranjos sofisticados. Em 1971, Ahmad Adaweia, egípcio de origem baladi, se lançou com grande sucesso, cantando músicas que retratavam os anseios, os sonhos e as dificuldades da classe trabalhadora. Sua linguagem era a das ruas do Cairo, cheia de gírias e até de duplo sentido. Muitas de suas músicas, como por exemplo “Habba Fo` u Habba Taht” (“uma parte está em cima e a outra está em baixo”), se referem à classe de elite egípcia que sempre se beneficia, enquanto a classe trabalhadora não consegue progredir. Contestando a burguesia egípcia, esteve sujeito à censura, principalmente no início de sua carreira. Os cantores shaabi atuais têm cada um seu estilo próprio e uma visão pessoal sobre a vida, mas todos admitem que foram influenciados por Adaweia, como, por exemplo o cantor de grande sucesso Hakim, de voz inconfundível, considerado “Sheikh do Shaabi”, que cresceu com o som da classe trabalhadora e suas raízes do sul do Egito. Com a influência de Adaweia, começou a praticar desde cedo as improvisações vocais típicas do shaabi chamadas mawals. Outro cantor muito popular é Shaaban Abdel Rahim que, antes de se tornar artista, viveu como trabalhador humilde. Fez várias músicas de protesto político sobre a situação de violência contra os países árabes. Muitas de suas músicas foram vendidas informalmente, devido à censura do governo, mas sua linguagem informal e letras extremamente sinceras fizeram imenso sucesso por todas as ruas do Cairo. Inúmeras músicas shaabi também têm um tom engraçado, brincalhão, insolente. No shaabi, tudo é válido: sons de carro, telefone, pato, vozes engraçadas, risadas, gírias, duplos sentidos até de conotação sensual, e temas do simples cotidiano e do amor. Tudo isso reflete o espírito do povo egípcio do subúrbio. Quem teve a oportunidade de vivenciar essa realidade, percebe o quanto enriquecedor é observar as mulheres egípcias suburbanas, com seu tom de voz alto, fala cantada, gestos de mão frenéticos, expressão que não se limita ao rosto, mas que percorre todo o corpo, mexendo os ombros e levando as mãos às cadeiras. Mulheres que são capazes de bater no marido, se perceberem que esses estão com a intenção de se casar com uma segunda esposa, o que nos mostra essa mistura de comédia e drama que permeia a vida desses egípcios. Os homens, com olhar namorador, mas ao mesmo tempo pasmos com a presença feminina, em alguns momentos demonstram certa ingenuidade no que se refere ao amor, mas ao mesmo tempo uma malandragem sem igual. E na dança, como isso reflete? É preciso saber a letra da música para se dançar shaabi? Ah, é bastante importante… O ideal é compreender a letra, sim, ao menos o tema da música para que a sua expressão facial e corporal seja condizente com o significado e, mais do que isso, para que você possa escolher a música que quer interpretar, não apenas pela composição musical e ritmo, mas por aquilo que a música expressa. É claro que a dança deve retratar o tema da música, mas se deve ter o cuidado de não transformar sua performance em mímica. A dança pode conter gestos mais marcantes que irão enriquecer sua interpretação, mas seu excesso pode remeter a uma apresentação infantil. O mesmo se aplica a cantar a letra da música, o que é muito válido se, no calor da emoção, isso acontecer espontaneamente ou mesmo se for para dar ênfase a alguma parte que esteja interpretando, mas também se deve ter moderação, já que o excesso pode tornar sua apresentação mais uma dublagem do que propriamente uma dança. Como a música tem tema e linguagem mais informal, os movimentos são mais soltos do que na dança clássica, cujo alinhamento corporal é mais elegante. No shaabi, os movimentos são mais simples, porém com bastante sentimento. Para enriquecer sua dança, é preciso prestar atenção nos instrumentos que estão tocando em cada parte da música. Cada instrumento tem uma característica distinta e suas combinações também. Geralmente na voz do cantor, você vai usar movimentos mais contidos, mais intimistas. Já quando entra o coral ou toda a orquestra, os movimentos são mais fortes, expansivos, permitindo maior deslocamento. Nas partes em que se evidencia a percussão, os movimentos de quadril com batidas e shimmies devem ser mais utilizados. É importante lembrar que cada pessoa tem uma bagagem e uma personalidade distinta, e assim, cada dança vai ser carregada de interpretação pessoal; a forma de traduzir a emoção em movimentos vai ser diferente, e principalmente a expressão facial de cada bailarina deve ser fiel a ela mesma, para que mesmo dançando estilos de música completamente diferentes, seu estilo pessoal seja marcante.
(artigo publicado na Revista Shimmie)

Meleah laff, charme e feminilidade baladi.

A dança do Meleah Laff é uma representação, uma encenação do cotidiano de grandes cidades como, por exemplo, a Alexandria e o subúrbio do Cairo. Não é uma dança tradicional de uma região e sim uma teatralização que representa o modo de ser de algumas mulheres, das mulheres baladi, que ao saírem de casa, seja para irem ao mercado ou mesmo para realizarem qualquer outro afazer cotidiano, se enrolavam em um pano preto pesado como forma de recato e respeito, características essenciais quando nos referimos ao povo Baladi. Esse povo, apesar de ter se estabelecido na metrópole, mantém o sentimento por suas raízes e zela pela boa reputação e pela sua honra. A mulher baladi é forte, orgulhosa de suas origens e tradições, mas sabe que é extremamente feminina e com seu charme pode conquistar tudo o que quer.
É interessante ressaltar que as mulheres da Alexandria são muito conhecidas por sua beleza. Como a Alexandria é uma cidade portuária, em muitas encenações, a mulher é mostrada esperando pelo seu amado que está trabalhando no mar, ou mesmo flertando com um marinheiro que acabara de atracar no porto. Nessas danças, o homem usa roupa de marinheiro ou pescador, e, muitas vezes, leva uma faca consigo, representando o seu cotidiano, no qual usa a faca para limpar peixe ou cortar a rede. Em danças de grupo, os homens podem apresentar uma disputa, mostrando sua virilidade e habilidade com a faca. O coreógrafo Mahmoud Reda apresentou pela primeira vez no palco essa interação entre as mulheres com seus meleat e os homens do mar, com uma dança de grupo que demonstrava essa sutil paquera entre eles. A dança pode ser realizada sozinha, em casal ou em grupo, já que é uma encenação. Famosas músicas como Banat Bahrei (meninas, filhas do mar) e Banat Skandareia (meninas da Alexandria) falam desse cotidiano. No meleah skandarani, a bailarina executa movimentos mais suaves que no do subúrbio do Cairo, porque as mulheres da Alexandria são mais discretas. As mulheres do subúrbio do Cairo têm uma expressão um pouco mais exagerada, seja nos gestos ou na maneira de falar. Mas de qualquer forma, a mulher baladi chama a atenção dos homens com seu jeito peculiarmente feminino. Ela sai com seu meleah e deixa por várias vezes ele escorregar pelo seu corpo, o que faz com que tenha que arrumá-lo novamente, fato que compõe todo o seu charme. Para representá-la, a música pode ser um baladimoderno que retrate esse seu dia-a-dia. Na dança, a bailarina entra coberta com o meleah, de forma que uma de suas pontas fique presa em baixo do braço, cobrindo os seios, passando pelas costas e por cima do ombro, onde a outra ponta é segura pela mão. Desse modo, a bailarina consegue ajustar o meleah em seu corpo, ressaltando suas formas femininas, principalmente o quadril. No decorrer da música, a bailarina deve ir se descobrindo aos poucos, fazendo diversos movimentos com o meleah, mostrando e escondendo o seu corpo, ora os ombros, ora um pedaço do vestido, ao mesmo tempo em que usa todo o seu charme e graciosidade de forma sedutora. A forma de trabalhar o meleah é bem diferente da do véu, na qual o intuito é fazer movimentos aéreos, leves, com o véu bem afastado do corpo. No meleah, o pano fica mais junto ao corpo, como se uma das mãos mantivesse o tecido no corpo enquanto a outra realiza o movimento, e assim elas vão se alternando. O meleahpode ser jogado no braço, nos ombros e podem ser feitas inusitadas composições com ele. A bailarina pode se enrolar e desenrolar diversas vezes e, girar sua ponta com uma das mãos ou alternadamente ao lado do quadril, principalmente no meleah do Cairo. O lenço pode ser movimentado com desenhos de oitos, redondos, para cima e para baixo e até mesmo como um leque. Um acessório que sem dúvida contribui com esse jogo de conquista é o chador, que pode ser jogado para trás em determinado momento da dança e aí permanecer, para que a bailarina fique com o rosto descoberto. É importante lembrar que cada detalhe deve ser feito com maestria, demonstrando a intenção em cada movimento. A bailarina pode dançar com o meleah a música toda ou até mesmo tirá-lo ou amarrá-lo no quadril para mostrar sua força na execução dos movimentos baladi, principalmente quando a música se torna mais cadenciada no maksoum. Lembre-se que, como é uma encenação, a expressão deve ser vivaz, sem exageros ou mudanças bruscas, mas presente, demonstrando diferentes intenções e sentimentos.
Mas não basta apenas o charme, o flerte com o público… As músicas de meleah laff geralmente têm as finalizações de suas frases bastante evidentes e marcadas, e pedem uma composição coreográfica que mostre destreza na realização dos movimentos, já que elas têm um andamento bastante rápido. O que deixa a dança mais interessante é justamente uma leitura impecável, com tiradas inusitadas, que ajudam a compor uma atmosfera sedutora. Muitas músicas têm um momento mais cadenciado e é nesse momento que os movimentos de quadril baladi devem ser usados; bem soltos, misturando redondos, ondulações e batidas, dando especial atenção às emendas e ligações entre esses movimentos, o que sem dúvida irá deixar a sua dança mais atraente.
(artigo publicado na Revista Shimmie)

A Dança na Turquia

Caminhar pelas ruas da Turquia é uma viagem sinestésica, um convite a deixar-se envolver pela mistura de cores, formas, aromas e sons. Situada entre a Europa e a Ásia, possui uma rica herança cultural, já que foi abrigo de diversas civilizações, cada uma com suas diferentes danças, músicas, ritmos, lendas e costumes, que se misturaram à cultura turca e ajudaram a compor o cenário musical atual. A região da Anatólia, que corresponde à porção asiática da Turquia é considerada a ponte que liga o Oriente ao Ocidente. Por ali passaram povos como os persas, macedônios, gregos, assírios, romanos que contribuiram para enriquecer essa diversidade cultural. As diferentes influências raciais e étnicas produziram um rico folclore tanto nas cidades quanto nas áreas rurais. A dança é uma das expressões artísticas mais variadas da Turquia, porque cada região do país possui a sua própria. Cada dança tem características diferentes de acordo com a região e localização e são geralmente apresentadas durante casamentos, festivais e feriados religiosos e nacionais. Apesar da ocidentalização, industrialização e desenvolvimento dos meios de comunicação terem afetado as artes tradicionais e todos os aspectos da vida nas cidades e aldeias, as danças folclóricas turcas são profundamente enraizadas e continuam a existir de forma original e também acrescentando novos elementos ocidentais. São realizados espetáculos em que a dança folclórica é combinada com ballet ou outros estilos de dança, resgatando a história cultural da Anatólia, incluindo números de dança e musica folclórica de todas as regiões, e retratando a vida política, social e cultural turca. Elas demonstram os diferentes papéis sociais de homens e mulheres. Algumas das danças são encenações de suas atividades diárias, enquanto outras mostram-nos a época da colheita, algumas saúdam a entrada da primavera, imitam uma cena de batalha, contam sobre um herói e, ainda, aquelas que são realizadas somente antes ou em cerimônias de casamento. Mas todas contam as histórias de muitas culturas que viveram e vivem na região.
Uma das danças folclóricas mais populares na Anatólia é a Dança das Colheres, chamada Kaşik Oyunu. Ela surgiu em Silifke e é dançada em outras cidades como Konya, Ankara,  Kirsehir, Antalya, Isparta, Afyon e Anamur. Ela pode ser executada tanto por homens quanto por mulheres. Cada dançarino tem um par de colheres de madeira envernizadas em cada mão, segurando pela parte larga da colher. Uma fica presa entre o polegar e o indicador e a outra, entre o indicador e dedo médio, e nessa posição elas são tocadas como castanholas. O ritmo pode ser marcado também batendo os cabos das colheres de uma mão contra a outra. O dançarino pode fazer o próprio ritmo sem música ou acompanhado por outros instrumentos típicos como a darbuka, o saz, o clarinete, a zurna, o violino, a baglama. As roupas são bem coloridas; as mulheres usam uma calça bufante com uma espécie de abey ou vestido comprido e acinturado com as mangas que ficam mais largas na extremidade, sapatos e um chapéu que se assemelha ao tarbuch coberto por um véu. Os homens usam calça charuel com faixa na cintura, sapato e chapéu. Podem ser feitos movimentos de marcações e batidas com os pés no chão, pulos e giros que se parecem bastante com passos de Dabke, além de movimentos de cabeça, ombros e até ondulatórios, que se assemelham muito a diversas danças folclóricas árabes. Apesar de várias semelhanças com danças árabes, a dança da colher na Turquia não tem nenhuma relação com a dança da colher chamada Simsimya, da região de Port Said, Ismailya e Suez, no Egito.
Na Turquia também é realizada a dança oriental (raks sharqi), mas por toda a sua história já se pode perceber que ela sofreu a influência de diversas culturas. Hoje a dança é influenciada pelos ciganos, pelo estilo egípcio, libanês e grego. Como a lei turca não impõe a censura nem de trajes nem de movimentos, as dançarinas exibem muito mais o corpo, com saias mais abertas, salto alto, bustiê menos coberto e realizam movimentos mais enérgicos de pélvis, podendo realizá-los até no chão. Em sua grande maioria, a preocupação técnica dá lugar ao propósito de entretenimento.
Apesar da Turquia não ser um país árabe e ter seus próprios costumes, língua, comidas típicas, sem dúvida muito nos pode enriquecer conhecer os seus estilo musicais e as suas danças, já que o país abrigou tantas culturas diferentes. É muito interessante assistir ao filme: “Atravessando a Ponte – O Som  de Istambul” de Fatih Akin, que justamente mostra essa riqueza musical formada por tanta diversidade.
(artigo publicado na Revista Shimmie)

Raks al Balaas – alegria e celebração

A Dança do Jarro, chamada Raks al Balaas, é uma dança que representa a importância da água para os povos no norte da África. Ela simboliza as mulheres que caminham no deserto em busca de água, levando consigo um jarro de barro, e que muitas vezes em grupo dançam e cantam, mostrando sua destreza, delicadeza e feminilidade. Por serem os jarros pesados, as mulheres colocam um tecido entre a cabeça e o jarro, para poderem equilibrá-los. Essa manifestação feminina estimulou muitos músicos a comporem versos e rimas de amor, exaltando a beleza dessas mulheres, como, por exemplo, a música bastante conhecida Boss ala el Halawa de Metkal Kanawi. A Dança do Jarro também era realizada em festas e comemorações como o nascimento de crianças, tornando-se um hábito presentearem a mãe do recém-nascido com uma boneca de barro com um jarro na cabeça.
O coreógrafo Mahmoud Reda adaptou para o palco o jeito, as características e modo de vida dos fallahin, camponeses e agricultores do interior do Egito, muito amáveis e de vida bem simples. As mulheres do interior costumam usar vestidos compridos e floridos com lenços longos na cabeça. Os homens usam calças mais curtas, galabeya longa e lenço na cabeça para segurar o suor e proteger do sol. Para representar essa característica na dança, é costume se utilizar músicas alegres, que falam da água e também cujo ritmo seja Fallahi, característico do interior. Como esse ritmo é bastante rápido é necessário que a bailarina tenha agilidade e boa técnica nos deslocamentos, principalmente com torções de quadril. Os movimentos são saltitantes, leves e combinados com giros, porém essa apresentação também exige destreza nos movimentos com jarro, precisão e criatividade coreográfica. Como é uma dança representativa e celebra a importância da água, é interessante que a bailarina tenha vivacidade nas suas expressões. Ela pode utilizar deslocamentos simples como twisty, frente e trás, passo grego, andada egípcia, mas pensando em diferentes combinações e desenhos de palco. Todos os movimentos ondulatórios podem ser explorados: oitos, redondos e camelos, elaborando diferentes desenhos com o jarro. É costume se utilizar muitas palmas para exaltar a alegria.  Durante a apresentação, o jarro pode ser colocado no chão e a bailarina pode dançar ao seu redor, além de encenar que está pegando água e banhando seu rosto e seu corpo.  Movimentos podem ser executados com o jarro nos ombros, na cabeça, e também acentuando as marcações da música, batendo-o no quadril e no joelho. Em coreografias de grupo, é interessante explorar a integração e brincadeiras entre as bailarinas, além de inusitadas evoluções no palco.
Se a dança for uma representação beduína, as características da apresentação serão diferentes das de uma dança Falahi. A roupa utilizada pode ser uma galabeya comprida e solta com moedas, lenço na cabeça, ou alguma outra roupa típica beduína com saias rodadas. Diferentes ritmos fazem parte da música beduína como o saidi e o maksoum, além de instrumentos como o mizmar, a magrouna, o rabeb. A dança tem outro peso, outro jeito, e os movimentos deixam de ser tão leves e dão lugar aos pulos cadenciados, quadril forte e marcado e ombros soltos e expressivos.
Apesar de parecer simples, a dança do jarro, para ser bem executada, exige que a bailarina conheça bem os costumes da região que deseja interpretar, o modo de vida das pessoas que nela vivem, sua expressão e sua música, para que sua expressão corporal não descaracterize a essência dessa dança. A técnica apurada é importante para a estética da dança, mas a alma da apresentação está justamente na interpretação e na intenção com que é realizado cada movimento.
(artigo publicado na Revista Shimmie)